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Transições e a Envelhescência

Atualizado: 18 de ago. de 2021


Hoje já não sou mais como ontem, mas esse pensamento também precisa ser questionado.

De tempos em tempos costumo realizar uma espécie de Site Survey – termo usado em tecnologia para uma análise minuciosa do ambiente de rede. O método identifica a capacidade de transmissão de dados que a infraestrutura suporta e o que está atrapalhando ou obstruindo o perfeito funcionamento da conexão – áreas de sombra e zonas de interferência que possam estar presentes.

Especialmente em períodos de acontecimentos marcantes, sejam alterações abruptas, rotinas desajustadas ou fatores múltiplos combinados, aquele modelo de vida cultivado vai apresentando fissuras e obstruções. Como um corpo sujeito as leis da física, estaremos forçados a mudar de certa condição por forças inerciais.

Normalmente temos que fazer a reprogramação em movimento. A não ser que você tenha o privilégio de ‘bater em retirada’, ‘sair desse mundo’ ou ser ‘mestre de seu próprio tempo’, o processo acontece no giro. Em solavancos ou em fases, lidando com as exigências e implicações externas, há uma espécie de bússola pessoal e intransferível balizando nossas decisões. E aí também reside nossa grande armadilha: a parcialidade da perspectiva –normalmente viciada e castigada – carrega viés de confirmação, que é nossa tendência em interpretar, relembrar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.


Representatividades e expectativas


As passagens de transição contêm elementos em comum em experiências particulares. Vou abordar sobre esta que tenho vivido e me dedicado a investigar mais profundamente: a Envelhescência .

O termo foi cunhado por Manoel Berlink, sociólogo e psicanalista, que descreve a fase da vida entre os 45 e 65 anos. É o momento em que observamos mudanças em nosso corpo, a correlação entre a passagem e finitude inexorável do tempo e a saciedade de nossa mente ativa, uma esperança irrequieta de projetos e desejos por acontecer. Com cuidado e sorte, rumamos bem para a velhice, logo ali.

A envelhescência produz, no imaginário da pessoa, uma radical modificação de seu lugar e representatividade no mundo. Alterações externas de cenários associadas com questões internas, comumente não verbalizadas, deslocam-nos à necessidade de reconhecimento e questionar pertinências sobre diversos assuntos. Relembro parte da descrição do método Site Survey, no início desse texto.

“...identifica a capacidade de transmissão de dados que a infraestrutura suporta e o que está atrapalhando ou obstruindo o perfeito funcionamento...”

Ainda que não estejamos totalmente conscientes da amplitude e impactos dessa fase, alternamos entre nossas certezas da maturidade e o empenho em refazer nossas próprias histórias. Manter um eu rígido, que não se abre a perspectivas plurais, corre o risco de fortalecer aquele viés de confirmação. Mantendo nossa capacidade criativa em áreas de sombra e com interferências.


Freqüentemente, podemos assumir ou reforçar práticas com a finalidade de manter a sensação de juventude. A aparência física é a que costuma estar na linha de frente. Cabelos, intervenções estéticas, atividade esportiva, roupas,... Elas podem ser muito positivas como expressões autênticas desse reconhecimento. Geralmente vêm acompanhadas de mudanças de rota e atitudes, como nova formação/atividade profissional, ampliação e fortalecimento de círculos de amizade e conhecimento, busca de equilíbrio mental. Em contraponto, pode esconder a negação de uma idéia de envelhecimento, carregado de preconceito e estigma presentes em nossa cultura.


Com Quem e Com Que Seguimos


A envelhescência é oportunidade, em nos manter abertos ao que está surgindo em meio aos nossos temores. Aspirando como queremos e podemos seguir a próxima etapa da vida com dignidade. Talvez os filhos já partiram para seus próprios territórios, pais e outros laços de afeto já não estão mais presentes, mas há esperança de viver com possibilidades, sabendo plenamente que a impermanência prevalece.

Na canção A Oração ao Tempo, Caetano Veloso refere-se a este como “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”. E segue assim,

“Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso Quando o tempo for propício

De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido E eu espalhe benefícios”



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